De Medusa só me interessa o monstro

Medusa era uma jovem linda, filha de Fórcis e Ceto. Seu pecado era gostar de se cuidar. Além da beleza,que já nascera com ela, o cuidado consigo mesma era algo que a fazia mais radiante.

Medusa era vaidosa, mas mesmo assim, a jovem era a sacerdotisa virgem e fiel de sua deusa Atena. Apesar de todos os cuidados com pele, cabelo e das roupas mais ousadas, Medusa nunca deixou de seguir o princípio da castidade de Atena.

Mas nesse mundo mitológico nada é perfeito e os defeitos humanos habitam em todos os deuses. E assim os irmãos Poseidon e Atena iniciam uma guerra para decidir qual seria capital da Grécia.

Atena sai vitoriosa mas isso desperta uma fúria em seu irmão, que era um tanto quanto irracional.

(Reconstituição moderna do frontão oeste do Partenon. Museu da Acrópole de Atenas)

E para se vingar de sua irmã Atena, Poseidon, sem nenhum constrangimento, decidiu abusar sexualmente de uma das suas devotas mais fieis, a Medusa “que sofreu o funesto” segundo Hesíodo. Embora tivesse barbas brancas, Hesíodo em sua Teogonia o chama caprichosamente de Crina-preta.

Rapidamente a notícia que Medusa se deitara com Poseidon no macio prado entre flores de primavera se espalha entre todos. Embora a jovem sacerdotisa afirme angustiada que fora vítima de estupro, seria mais cômodo acreditar em um deus de barbas brancas do que em uma jovem bonita e vaidosa.

E não é de se espantar que a maioria das pessoas culpavam Medusa, dizendo que ela tinha se aproveitado da situação. Apesar disso, a fé da jovem não se abalou e ela continuou fiel a seus princípios e indo todos os dias ao templo da deusa.

Ao saber disso, Atena foi tirar satisfação com Medusa e a serva disse que havia sido vítima de um estupro. Se fosse qualquer outra serva sua, Atena havia acreditado e a defendido. Porém, como era Medusa, a deusa não se convenceu de suas explicações. Logo Medusa, tão bonita e vaidosa? A que se dedicava a tantos cuidados consigo mesma?

E por não acreditar – afinal era Medusa e não bastava sua fidelidade e sua dedicação para ter um voto de confiança – como castigo transformou sua aparência em um ser repugnante e seu belos cabelos em cobras, lançando a maldição que qualquer pessoa que olhasse para ela seria transformada em pedra, selando seu destino de solidão.

A partir deste momento, há um apagamento do passado de alegrias e de dor, de memórias e lembranças para que apenas o monstro sobreviva.

E esse monstro é um troféu, como todos aqueles que não pertencem ao status de normalidade.

Cabe a Perseu apenas a morte de Medusa. Perseu, um semideus, filho de um abuso em forma de ouro, só quer a vitória, pois um dia lhe disseram que tudo que ele quisesse ele poderia conquistar.

Para ele pouco importa quem é o monstro, ou se é um monstro, só lhe importa a vitória.

Medusa (1597) de Caravaggio

A vida de Medusa agora não vale nada, se ela é um monstro vivo, se torna um troféu de grande valor morta.

E quando Perseu a persegue e a encontra para matar, ele lhe diz assoviando: – “você é um monstro.”

E Medusa gargalha e lhe responde: “- melhor ser um monstro do que um deus arrogante”

A Morte de Medusa (1882) Edward Burne Jones

31 de Outubro – Dia do Saci Pererê

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As bruxas que me perdoem, mas hoje o nosso Saci também reina. Em 2003 foi elaborado o projeto de lei federal nº 2.762 que indicaria o dia 31/10 como dia do nosso personagem folclórico preferido.

Para contar a história ninguém melhor do que Câmara Cascudo, que em seu Dicionário do Folclore Brasileiro descreve nosso personagem como:

” Entidade maléfica em muitas, graciosa e zombeteira noutras oportunidades, comuns nos estados do sul.

Pequeno negrinho, com uma só perna, carapuça vermelha na cabeça que o faz encantado, ágil, astuto, amigo de fumar cachimbo, de entranças as crinas dos animais, depois de extenuá-los em correrias. Durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, ilocalizável e assombrador. Pode dar dinheiro.

Não atravessa água como todos os “encantados”. Diverte-se criando dificuldades domésticas, apagando o lume, queimando alimentos, espantando gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários.

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Turma do Pererê – Ziraldo

Há muita documentação sobre o Saci, origem e modificação. Os cronistas do Brasil colonial não o mencionam. Parece ter nascido no século 19 ou finais do antecedente. Conhecemos aves com seu nome.

O carapuço vermelho é o pileus romano, e já Petrônio (Satyricon, 38) registrava a crendice romana do pileus do íncubo dar riqueza a quem o arrebatasse. O negrinho buliçoso, visível ou invisível, troçando de todos aparece no folclore português.

Muito obrigada Camara Cascudo por seu trabalho maravilhoso em registrar nosso tão riquíssimo folclore.

Bibliografia:

CÂMARA CASCUDO, Luis. Dicionário do Folclore Brasileiro. Ediouro Publicações S.A. 930p. 1954.