História do Conhecimento e a interface de todas as histórias

Quandos buscamos personalidades na história clássica, sempre vemos um espírito polímato, ou seja, que tem conhecimento sobre vários assuntos. Por exemplo, quando falamos de Tales de Mileto, estamos nos referindo a um filósofo que ao mesmo tempo era considerado astrônomo, matemático e engenheiro.

Em determinado momento da nossa história, nos períodos que rondam o Iluminismo, vimos surgir as ciências naturais como disciplina, e a partir de então não só temos as disciplinas – química, física, biologia, astronomia, entre outras – mas também as mais diversas especialidades – fisiologia, anatomia, morfologia, etc.

Mas estas especialidades não podem ser trabalhadas de forma estanque e individual. Como explicar pessoas que não aceitam a transfusão de sangue por motivos religiosos sem que a interface história da religião e história da ciência não seja explorada? E estamos falando de no mínimo dois campos do saber. Se inserir outras variáveis, como por exemplo que em alguns países, caso o doente esteja em risco de morte, o Estado suplanta a vontade do indivíduo e realiza a transfusão, entram em jogo questões politicas e sociais infinitas.

Percebe-se que todas as “caixinhas” do saber humano estão interligadas, como se fosse uma grande rede de comunicação das mais diversas possíveis. Olhar apenas para a história que interessa, é postular teorias contaminadas de erros

História do Conhecimento é algo sinérgico a partir da convergência entre vários campos do saber e suas informações existentes, em um processo multifacetado da história

E é sobre a História do Conhecimento que eu me debruço nos meus trabalhos. Nenhum fato se explica por si mesmo. Tudo é interligado, e o barato de trabalhar com a História do Conhecimento é descobrir estas interfaces fluidas e tentar entender fenômenos da sociedade que aparentemente parecem ser impossíveis de se explicar, como a teoria da terra plana em pleno século XXI e o movimento antivacina no meio de uma epidemia mortal.

Esse trabalho me fascina, me preenche, me faz sempre buscar mais. Mais histórias, mais conhecimentos, mais interconexões, na tentativa de entender um pouco mais esta nossa Humanidade.

Vamos juntos nesta jornada?

O Doce de Leite de Vermeer

Nesta chuva torrencial que cai sobre o Rio de Janeiro, penso no que gostaria de estar saboreando enquanto ouço o som maravilhoso da chuva caindo.

O resultado de um processo feito para que, em um período sem tecnologias ou rotas de escoamente de produção, se associava o açúcar para um tempo maior de conservação, culminou no maior doce já feito pelo homem (sim, sou exagerada!). Isso porque não são apenas os sentidos que estão sendo despertos. É a memória do tempo que se vai a décadas.

Minha memória afetiva me remete ao doce de leite. Quando eu estudava em Minas, no refeitório da UFV era muito comum servir doce de leite na sobremesa. A comida era horrível (me diz um badejão universitário gourmet?) mas quando chegava no momento da sobremesa eu saboreava cada colherada daquela invenção dos deuses.

O doce de leite Viçosa, que era servido a nós simples mortais, tinha o sabor de que “amanhã vai ser melhor”. Parecia mesmo que o leite era manipulado da própria leiteira de Vermeer

E não estou poetizando não. O doce de leite Viçosa, que é da Fundação Arthur Bernandes, e produzida academicamente na Laticínio-Escola da engenharia de alimentos da UFV, é a maior vencedora da categoria, com a marca de 10 prêmios de 1o lugar no Concurso Nacional de Produtos Lácteos

(A leiteira, Johannes Vermeer, cerca de 1660 d.C. – Rijksmuseum)

Aquele doce de leite que não se sente um arranhadinho sequer no céu da boca. Dos deuses.

Amo tanto este doce que cada vez que vem uma visita de Viçosa aqui em casa, o pedágio é o doce de leite. Desta vez em janeiro, a visita trouxe uma coleção para eu experimentar – o que fiz com todo o prazer – mas não há igual!

O doce de leite Viçosa não é apenas um doce premiado. Ele carrega em si anos de displicência estudantil, de saias rodadas de tye-dye e a certeza de que mudaríamos o mundo.

Minha geração pode não ter mudado o mundo, mas agora, sentada na varanda vendo a chuva cair, eu tenho certeza que fiz a minha parte.