Sobre azuis

Lembrando do aviso imortal de Maiakovski, que nos diz “o mar da história é agitado”, hoje resolvi dar cor ao meu pensamento. Foram dias tensos, medos, lembranças de dias cinzas, de corações parando aos poucos de bater à espera de 0,5ml de cura. De animais agonizando em crematórios a céu aberto em grandes queimadas em nossas terras.

Mas para colorir meus olhos de beleza, hoje eu escolhi a cor azul. A cor elementar. Aquela que não pode ser imitada. A mãe de tantas cores do espectro do visível. A cor que vemos ao elevar os olhos aos céus em uma prece ao Criador. A cor que vemos quando recarregamos nossas energias ao olhar o mar em sua máxima beleza.

Me pergunto como Giotto juntou argamassa, água e pigmento e conseguiu retratar neste afresco um céu tão belo em contrapartida à morte de nosso Mestre Jesus. E esse azul tão lindo mascara todo o sofrimento e angústia dos anjos pela brutalidade dos homens.

(A Lamentação, Giotto – afresco de cerca de 1303-05, Capela Arena, Pádua, Itália)

Lembro de Vermeer, pintor holandês do período barroco que retratava com maestria o jogo de luz e sombra no vestido de seda da jovem dama ao piano. A perfeição de seus traços, de seu brilho o elevam a condição de um dos maiores artistas de todos os tempos.

(Dama Sentada ao Virginal, c.1670, Johannes Vermeer, National Gallery, Londres)

E nos perdemos na tela em quantos tons de azul são explorados por tão brilhante mestre da pintura. As pesadas cortinas, o céu, a pintura sobre o piano, nada é mais presente do que a seda brilhante.

Posso continuar falando horas sobre a cor azul. Existem músicas que são azuis. A Paixão Segundo São Mateus de Johann Sebastian Bach é uma música azul. Existem sentimentos azuis, a calma é azul.

Veja Virgílio, conseguimos!

De repente Virgílio parou na minha frente, ofegante, olhos arregalados, boca aberta, como se não acreditasse no que estava vendo. Parei alguns segundos para ver meu companheiro de jornada e vi o quanto ele envelheceu neste tempo que estivemos juntos. Suas mãos ressecadas, ombros caídos e cabelos ralos demonstram quanto sofrimento passamos.

Finalmente após quatro anos cada vez descendo mais baixo junto aos irados, aos violentos, aos fraudadores, e a tantos outros espalhados pelos mais diversos círculos do Inferno, chegamos nos portais do Purgatório, onde um anjo nos aguarda na parte superior da escada

Os Portais do Purgatório -Gustave Doré

Fiquei feliz, comecei a pular e a abraçar meu companheiro de jornada como se tivesse diante de um oásis mágico, quis sair correndo mas fui rapidamente impedida pelo anjo, que assim me falou:

– Vocês ainda têm um caminho longo a percorrer, muitos males a serem expurgados. Terão que passar pelos sete degraus para se purificarem de tudo que trouxeram agregados em seus corpos, mentes e corações nestes últimos quatro anos. E lembrem-se, vocês não estão no paraíso, apenas saíram do Inferno.

Gustave Doré Purgatório