A expedição naturalista da princesa Teresa da Baviera pelas terras brasileiras – uma história esquecida

No fim de junho de 1888, a Princesa Teresa da Baviera chega ao litoral brasileiro, em Belém do Pará com seu vapor Manauense. Para não ser reconhecida, a filha do rei Leopoldo da Baviera viajou sob o nome de Therese Von Elpen. Sua equipe reduzida contava com uma dama de companhia, uma cavaleiro da corte e um criado com experiência em taxidermia.

Teresa sequer se apresenta à delegação diplomática da Alemanha no Rio de Janeiro. Seu objetivo não era os salões da aristocracia ou as recepções do império, mas a  busca pelo conhecimento científico da população nativa, fauna e flora brasileira.

Autodidata, estuda a chamada história natural, se debruçando em disciplinas como botânica, zoologia, geografia, etnografia, geologia e paleontologia.

Para comandar sua expedição pelos rios do Brasil, de Manaus ao Espírito Santo, passando pelo Rio de Janeiro, estudou com afinco os relatos de viagem de Von Humboldt, a sistemática de Linneaus e todos os textos de referencia para que sua expedição fosse um sucesso.

O objetivo de Teresa não foi descobrir novas espécies, embora naturalmente isto tenha ocorrido. Ela veio com o propósito de coletar, ordenar, catalogar e classificar as espécies encontradas, e entregá-las aos museus da Baviera.

Amiga de Dom Pedro II, Teresa nutria por ele uma “afinidade espiritual”, e enquanto ele se interessava pelas humanidades, ela trilhou o caminho das ciências naturais.

Apesar de toda sua narrativa extremamente científica, ela não deixou de descrever através dos detalhes das cores, a beleza das espécies que encontrava. Quando ela se encontrava no Pará, assim escreveu em seu diário:

“Rica como a flora era também a fauna dessa ilha equatorial. Ressoavam na floresta gritos de papagaios. Quando roçamos da parte mais espessa da mata, beija-flores castanho-avermelhados com cauda de cintilante matiz arruivado (Pygmornis pygameus Spix?) esvoaçaram sobre nossas cabeças”.

Teresa descreve com detalhes as mais diversas tribos indígenas que conheceu, entre elas as índias de Tauapeçaçu, no rio Negro com uma riqueza de detalhes que estimula nossa imaginação:

“Esta tinha uma fronte recuada, mais estreita que a da maioria das índias brasileiras, olhos pretos com fenda palpebral apertada, nariz de raiz bem formada e quase reto, uma boca grande com lábios não muito grossos, zigomas um pouco salientes, queixo antes pouco desenvolvido, peloe de cor amarelo-escura e magnífico cabelo preto.”

índia Tauapeçaçu

E ao entrar pela baía de Guanabara, não deixou de registrar a emoção de seu olhar:

“além e mais além do nosso vapor se adentrava neste montanhoso lago de águas salgadas, nosso olhar ébrio de beleza sempre descobria novos atrativos nesta maravilhosa vista panorâmica”

Teresa teve uma vasta produção escrita, com riqueza de detalhes que nenhum outro viajante naturalista teve.

Rio de Janeiro

E quando lemos seu diário, conhecemos sua história, suas lutas e suas vitórias, me pergunto, porque uma exploradora tão dedicada e competente, com um material que além de vasto possui uma qualidade acadêmica invejável não é tão estudada e exaltada como seus pares homens?

Me deixe sozinha

Adoro dias chuvosos. Combinam com uma das mais belas Rosângelas que habitam dentro de mim. Gosto de passear displicentemente pelas ruas do centro da cidade com meu echarpe vermelho, olhando para aquelas belas construções neoclássicas que povoaram a arquitetura do século XIX. E para estas caminhadas, nada melhor que a companhia das musas que guardam o Teatro Municipal, me auxiliando a passar pelas folhas de acanto que sustentam as grandes colunas de imponentes prédios.

Mas infelizmente nem tudo dá uma bela foto que valha a pena colocar nas redes sociais. Em uma sociedade como a nossa, prazeres simples como passear nas ruas para uma mulher sozinha se torna uma batalha.

Ouvir cantadas velhas e machistas, ser a nora perfeita para sogras imaginárias, se sentir um pedaço de carne ambulante, não poder sequer rir ao lembrar de um fato engraçado para que o indivíduo não ache que voce está “dando mole”. Meu Deus! Me tiraram o direito ao riso frouxo!

Suzana e os Anciãos (1610) – Artemisia Gentileschi

Como sou insistente em meu passeio pelas ruas estreitas do centro, desviando de carantonhas e sons de gralhas que insistem em me perturbar a viagem, as musas acham por bem me confiar a Baudelaire. Ele, como um autêntico flâneur, me guia até um antigo café, com seu piso do século XIX ainda intacto, para que eu pudesse, ao beber lentamente minha xícara de capuccino, me transportar para minhas outras vidas, me desligasse da contemporaneidade enloquecedora e barulhenta e aproveitasse alguns momentos de profundo prazer de minha própria companhia.

E passo alguns belos momentos pensando, devaneando, sorrindo de alegrias passadas e presentes, e para pessoas queridas que desfilam pelos olhos da minha alma. Neste momento não lembro onde o corpo está, mas alma certamente está no paraíso.

Senti o cheiro de feijão da minha mãe, comi o bolinho de chuva com canela e tomei o café que ela tinha acabado de passar. Até dancei soltinho com meu pai e seu sapato bicolor na sala.

Terraço do Café à Noite (1888) – Vincent Van Gogh

De repente, escuto um “- senhora?” muito ao longe. Deixei meu bolinho de chuva no prato, me despedi de meus pais e voltei para a cafeteria que estava.

Ao sair do meu paraíso particular, a garçonete, muito envergonhada, me diz que um determinado senhor me viu muito tempo sozinha e por isso se dispôs a me fazer companhia, a se sentar em minha mesa para eu não ficar sozinha.

Ainda aérea pelo fuso horário entre o meu mundo mágico e o café onde eu estava sentada, me perguntei “eu? sozinha?”. Após alguns instantes agradeci mas recusei a companhia pois eu queria estar sozinha, foi para isso que saí de casa aquele dia, para estar comigo. Ao passar por mim, o educado cavalheiro balbuciou pelo canto da boca a real ideia do que ele achava que eu era.

Mas não me dou por vencida. Fico até o final do que eu tinha programado para o meu dia. Ajeito meu echarpe vermelho e retoco meu batom. E enquanto faço isso, reforço a minha disposição de lutar com unhas pintadas e um belo sorriso contra essa sociedade tão misógina, que sequer nos deixa sair às ruas em paz – e sozinha.