No futuro todo mundo será famoso por quinze minutos (Andy Warhol)
Essa profecia é mais atual do que nunca no mundo contemporâneo, onde as redes sociais invadem nossas casas e nossas mentes diariamente, nos bombardeando com novos hieróglifos (emojis) e imagens.
A modificação radical de nossa realidade teve seu início na década de 2000, quando foram lançadas as três maiores redes sociais da atualidade. Em um período de pouco mais de 5 anos, há o surgimento do Facebook (2004), do Twitter (2006) e do Instagram (2010). Embora haja tantas outras redes, estas três praticamente dominam o mercado virtual. E com estas redes, o mundo se espremeu em um smartphone, onde nossos dedos se acostumaram a rolagem da tela como um ato inconsciente.
Estas redes oferecem a seus participantes a ilusão de se tornarem celebridades. O chamado digital influencer ou influenciador digital tem sido apontado como uma das profissões mais desejadas do momento. E para tanto, vemos nas ferramentas de buscadores incontáveis tutoriais de como se tornar um digital influencer, que ensina poses, filtros, temas, cronogramas, toda sorte de artifícios para que pareçamos “naturais” o suficiente para aumentar o número de seguidores.
Os registros do cotidiano deixam de ser pessoais para serem transformados em públicos, no desejo de se tornar uma celebridade em ascensão. Assim, o ato de ler um livro deixa de ser algo individual e introspectivo para ser compartilhado, curtido e comentado por milhares de desconhecidos. Sem nunca terem entrado na casa do influencer, os estranhos conhecem cada parte de sua sala, a cor da louça, o lençol da cama. Mas isto tudo é um produto, a vida é um produto. E para cada xícara de café despretensiosamente sorvida, há a marcação da origem da xícara.

Assim como a Factory, o estúdio de arte de Andy Warhol, onde as pessoas “encenavam-se a si mesmas”, essas redes revelam as construções das personagens destes formadores de opinião. Como os silk-screen de Warhol, estes aplicativos são carregados de lentes onde é possível mudar a cor dos olhos, suavizar as marcas de expressão, colorir o fundo, incluir sua própria trilha sonora, entre outros.
Outra questão envolvendo as redes sociais é o biopoder oferecido pelo marketing digital e pela estrutura do mundo corporativo. Como em um passe de mágica, as celebridades rejuvenescem anos em um simples procedimento, aparecem utilizando esta marca ou aquela maquiagem; experimentam comidas exóticas. Nada mais emocional para um seguidor do possuir algo de uma celebridade. Como um contágio impossível de deter, a publicação viraliza e o objeto se torna o novo sonho de consumo.
Os padrões de beleza estabelecidos pela mídia são os parâmetros almejados pela sociedade. No lugar de um DNA privilegiado, a beleza atual é obtida através de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos igualando partes do rosto e do corpo às partes das celebridades. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica o Brasil se tornou o país que mais fez cirurgias plásticas no mundo(1). O próprio Warhol se submeteu a uma rinoplastia, tinha visitas regulares ao dermatologista e tinha um personal trainer nos anos 1980, tudo para deixá-lo “mais bonito para os negócios”.
Mas esta busca pela perfeição estética semelhante à da celebridade não é algo imposto ou repressivo, ela age de forma que o indivíduo sinta que há a necessidade das mudanças para se obter o sucesso demonstrado nas redes sociais. Segundo a autora o neoliberalismo opera mais sutilmente: faz com que internalizemos seus ideais. Entregar-se a eles pode ser mesmo experimentado como “diversão” ou “empoderamento”.
Tirando uma pequena parte de influenciadores que são pagos para associar seus nomes aos mais diversos produtos, a grande parte dos integrantes das redes promovem as marcas de graça, marcando-as ou com suas hashtags na esperança de aumentarem o numero de seguidores, curtidas e comentários, pois em uma cultura neoliberal, quando se trabalha duro há a recompensa do êxito de seus projetos. Assim como na Factory, há a busca da notoriedade pela simples associação com o capital simbólico da marca/status.
Na onda da exposição exacerbada e da repercussão nas redes sociais, os reality shows estão se tornaram uma febre no país. A sociedade acompanha com fervor o café da manhã, almoço, descanso, brigas de um grupo de pessoas em um local isolado, como se o mundo fosse a união de “1984” (romance de George Orwell) com o filme “A Vida de Truman” (direção Peter Weir, 1998). E de uma hora para outra, pessoas são alçadas à condição de celebridades, e suas contas nas redes sociais repercutem – positiva ou negativamente – os acontecimentos.
A rede social Twitter é um ótimo termômetro para descobrir os assuntos do momento e as tendências dentro da sociedade. Em 2020, dentre os 5 assuntos mais compartilhados do ano, vemos em primeiro lugar a morte do ator estadunidense Chadwick Boseman, em segundo lugar o grupo pop sul-coreano BTS. O COVID-19, a quarentena e o racismo estão entre os demais assuntos(2). Questões políticas e econômicas que atingem diretamente a sociedade não são citadas entre os temas.
Quando fazemos uma análise mais pontual dos últimos dias, temos como o assunto mais comentado uma briga ocorrida no dia 16/02 de um famoso reality show, com cerca de 680 mil tuites em menos de 12 horas. Segundo a autora, “Se descrevo Warhol como teórico e praticante da cultura de celebridades, é também porque sua obra encarna a mudança da “estrela” para a “celebridade”. Enquanto estrelas ainda eram valorizadas pelos resultados que obtinham na atuação, celebridades são admiradas,simplesmente, por existirem”.
Mas o que vemos nas redes sociais são apenas as máscaras midiáticas, diferentes do que elas são de fato. Publicar uma foto em uma espreguiçadeira lendo um livro não quer dizer afirmativamente que a leitura é o hobby mais querido. Pode ser uma jogada de marketing para atingir outro nicho com uma hashtag específica associada à imagem.
Um questionamento no texto é o que acontece quando a diferença entre “produtos” e “pessoa” entra em colapso e a sociedade não identifica a pessoa com o que ela representa para o público. Assim quando a celebridade exterioriza uma dualidade entre imagem e personalidade, perdas significativas na imagem podem ocorrer, consequentemente repercutir negativamente no mercado e em última instância nas marcas / empresas parceiras.
Na última semana, foi compartilhada exaustivamente a perda de contratos de uma celebridade atualmente em um reality show por ela se expressar de forma “politicamente incorreta” e agir de forma a entrar em choque com o produto associado à pessoa. Esta tomada de posição pela artista foi o suficiente para que contratos fossem suspensos de forma unilateral das empresas, pois a associação da imagem da marca a ser passada para a sociedade não pode sofrer arranhões.
Há que se manter as aparências a qualquer custo. A autora cita a obra Sixteen Jackies [Dezesseis Jackies] (1964) que “permite-nos ver Jackie em diferentes poses, sorrindo, com a cabeça abaixada, quase chorando mas tentando manter as aparências”.
E na sociedade contemporânea, onde as plataformas digitais se oferecem para todos indistintamente, o mundo das celebridades é o espaço, onde cada estrela pode ser fixa ou cadente, dependendo de como ela se apresenta ao público. E para manter o status quo, o mercado se retroalimenta, e as celebridades que trabalham arduamente para seu êxito se reinventam constantemente, como camaleões em diferentes cenários.
Post baseado no texto de
GRAW, Isabelle. Quando a vida sai para trabalhar: Andy Warhol. Ars, São Paulo, ano 15, n. 29, p. 244-261, 2017. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ars/article/view/131505/127941
(1)http://www2.cirurgiaplastica.org.br/blog/2020/02/13/lider-mundial
(2)https://www.istoedinheiro.com.br/veja-os-posts-mais-compartilhados-no-twitter-em-2020/
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